23 de setembro de 2010



Cansei de ficar buscando sentimentos para tudo. É mais saudável ir experimentando e ver se dá certo ou não. É só me convidar que estou pronta pra ir. Sou fácil, fácil demais. Aprendi a colher bobagens, tirei a sorte grande.
É muito chato fazer o papel de vítima, achando que um raio está sempre prestes a cair sobre a nossa cabeça. Detesto ser porta voz de alguma tragédia. Minha ou alheia. Tudo passa tão rapidamente que eu quero usar a vida até furar a sola. Pode ser como o reencontro de um amigo de minha infância, um beijo úmido numa tarde de inverno, o gosto áspero de uma bergamota colhida no pé. Tanto faz. Desenvolvi uma espécie de radar intuitivo que faz com que eu me aproxime das pessoas que sabem digerir melhor as manhãs do que os crepúsculos. Amo os crepúsculos, mas sei que eles me enfraquecem com sua poesia de fragilidades. Hoje eu me engano de alma aberta. As coisas passam, mas têm permanência dentro do meu olho. Sou míope só diante de temporais imaginários.
Tenho gratidões que me abismam. Alguém que me abraça ou empresta seu livro preferido de poesia. Alguém que me oferece uma xícara de café com leite ao lado de um fogão a lenha. É como respirar novamente as paredes da casa de minha avó. Alguém que me oferece uma carona no seu carro, no seu peito, na concha das suas mãos. É nesse mar de ternura que navego, sem precisar de outra bússola. Alguém que tenha a sensibilidade de chegar e partir na hora certa. Uma hora que nem eu mesma sei qual é, mas que se ajusta às batidas do coração. Alguém que transborda que não coloca tudo a juros de governo, imaginando algum tipo de garantia. A única garantia é o hálito de cada nova aurora.
Num certo dia da idade adulta parti de mim mesma. E nunca mais tive o desejo de me procurar novamente. Sei que posso gostar de Aristóteles e de Chapolin Colorado. Qual é o problema? Choro com qualquer drama romântico, cheio de clichês. Não preciso parecer inteligente vinte e quatro horas por dia. Prefiro a leveza, a gargalhada, o aconchego. Faço certas combinações com palavras que talvez deixem algumas pessoas felizes. Não vivo a crédito, vou me gastando o mais que posso. Gosto da contradição, porque ela me torna mais vasta. Tenho dificuldade em desistir, seguro com a ponta dos dedos o único fio da corda que não se rompeu. Ainda não conheci a saciedade, sou curiosa e tenho cada vez mais fome. Do meu retrato, ainda estou investigando a moldura. A fisionomia pertence aos outros.